NOTA TÉCNICA – PROJETO DE LEI DA REFORMA TRABALHISTA – OAB

No dia 27 de junho de 2017, a Ordem dos Advogados do Brasil, por seu Presidente Nacional, Dr. Claudio Lamachia, emitiu nota técnica sobre a proposta da reforma trabalhista (PL 6787/2016 – Câmara Federal e PLC 38/2017 – Senado Federal), agora já aprovada também pelo Senado, que altera 117 artigos da Consolidação das Leis trabalhistas.

Abaixo os itens destacados pela referida Nota Técnica, cuja leitura na integra, recomendamos:

A) Princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva (art. 8º, § 3º, e art. 611-A, § 1º, CLT): a proposta tenta restringir o exame, pela Justiça do Trabalho, do conteúdo de convenções e acordos coletivos, limitando essa análise, exclusivamente, aos requisitos formais do negócio jurídico, previstos no Código Civil, criando o “princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva”. Trata-se de dispositivo inconstitucional, haja vista a Constituição Federal determinar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV).

B) Compensação de jornada sem negociação coletiva (art. 58-A, § 5º, CLT): a sobrejornada do empregado poderá ser compensada até a semana seguinte à sua realização, sem necessidade de negociação coletiva de trabalho, o que caracteriza violação à Constituição Federal, na medida em que esta determina “a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho” (art. 7º, XIII), nunca diretamente.

C) Prorrogação habitual da jornada de trabalho mediante acordo individual (art. 59, CLT): permite a instituição de regime ordinário de prorrogação de jornada em acordo individual e viola o art. 7º, XIII, da Constituição Federal, ao disciplinar que o mesmo só poderá ocorrer por acordo ou convenção coletiva.

D) Ampliação do banco de horas por acordo individual (art. 59, § 5º, CLT): instituição do banco de horas mediante acordo individual escrito, com compensação em até seis meses, o que constitui violação à Constituição Federal, na medida em que esta determina “a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho” (art. 7º, XIII), jamais por acordo direito entre empregado e empregador.

E) Compensação mensal de jornada por acordo individual (art. 59, § 6º, CLT): previsão da modalidade de compensação de jornada mediante acordo individual, inclusive tácito, para sobrejornada a ser compensada no mesmo mês de prestação do trabalho, violando a Constituição Federal, quando esta determina “a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho” (art. 7º, XIII), sem possibilitar, portanto, acordo individual, muito menos tácito.

F) Jornada 12×36 por acordo individual (art. 59-A, CLT): instituição do regime de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, até mesmo por mero acordo individual, com possibilidade de indenização do período de repouso, o que representa violação ao art. 7º, XIII, da Constituição Federal, ao excluir a exigência da negociação coletiva, e aos arts. 1º, IV (valor social do trabalho), ao negar direito ao descanso e remuneração, indenizando o período de descanso suprimido, e 7º, XXII (redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança), pois impõe jornada extenuante sem qualquer descanso, incompatível com a higidez física e mental de um trabalhador. Além disso, o projeto pretende considerar como já compensados o descanso semanal remunerado, os feriados e o adicional noturno.

G) Inexigência de licença prévia do para jornada 12×36 em atividade insalubre (art. 60, parágrafo único, CLT): a CLT prevê a exigência de licença prévia para sobrejornada em atividade insalubre, e o projeto busca excluir essa previsão, permitindo extenuante condição de trabalho dos obreiros que laboram em ambiente insalubre, com a consequente degradação de sua saúde física e mental, violando, assim, o 7º, XXII, da Constituição Federal (que trata da redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança).

H) Admissão de trabalho da empregada gestante e da lactante em ambiente insalubre (art. 394-A, CLT): o projeto prevê a possibilidade de a empregada gestante trabalhar em ambiente insalubre, salvo se se tratar de insalubridade de grau máximo ou de grau médio quando inexistir atestado médico recomendando o afastamento da trabalhadora. Também é permitido o trabalho em local insalubre de empregada lactante, quando inexistir atestado médico recomendando o afastamento da empregada. A possibilidade de trabalho de mulher gestante ou lactante em meio ambiente insalubre significa grave risco à saúde tanto da mãe quando do nascituro/filho, na medida em que diversas substâncias e condições de trabalho podem causar sérios prejuízos à higidez física e mental da trabalhadora, de modo que toda a sociedade acaba sendo prejudicada por esse permissivo legal, especialmente quanto ao aspecto familiar. Viola o 7º, XXII, da Constituição Federal (redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança).

I) Horários para amamentação do filho (art. 396, § 2º, CLT): a CLT prevê que a empregada tem direito a dois descansos especiais, até que seu filho complete seis meses, para fins de amamentação. O projeto prevê que a previsão desses horários de “descanso” deverá ser estabelecida por meio de acordo individual entre a empregada e seu empregador, de modo que o arbítrio patronal poderá, segundo pior interpretação, afastar previsão contida em acordo ou convenção coletiva de trabalho a esse respeito. Viola art. 7, XIII, da Constituição Federal, pois tal previsão prevê a utilização de instrumento coletivo e não de acordo individual.

J) Trabalho intermitente (art. 443 e § 3º, CLT): prevê o chamado “trabalho intermitente”, que corresponderia àquele “no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador”. Trata-se de modalidade contratual com pouquíssima possibilidade de aplicação prática, uma vez que não há previsão de regramento específico sobre sua execução. Não obstante, trata-se de instrumento de precarização relativamente ao paradigma empregatício vigente, pois, notoriamente, o que se visa é a satisfação da demanda empresarial, ficando clara a chamada coisificação da pessoa humana, denunciada na Revolução Francesa, que é dos maiores símbolos da precarização e retrocesso sem precedentes. Assim a inconstitucionalidade mostra-se na afetação de direitos previstos na Constituição Federal, pois somente serão fruíveis a partir de determinada carga laboral, como, por exemplo, as férias e o décimo terceiro salário, os quais só serão devidas a partir de 15 dias trabalhados no mês. Sendo assim, em razão da possibilidade de limitação ao exercício de tais direitos e garantias mínimas, entende-se a afronta ao texto constitucional, previsto no art. 7º, IV e VIII. De outro modo, ainda existe evidente precarização das relações de trabalho, ferindo assim o caput do art. 7º da Constituição Federal – princípio do não retrocesso social. Por outro lado, os profissionais submetidos a essa modalidade contratual não terão a garantia de receber os valores referentes ao salário mínimo legal nacional, tendo em vista sua jornada totalmente fragmentada, podendo este empregado trabalhar meio período, integral ou algumas horas semanais, conforme a boa vontade e necessidade do empregador.

K) Prevalência de acordo individual sobre o negociado coletivamente (art. 444, parágrafo único, CLT): prevê que o acordado entre empregado e empregador prevalecerá sobre as disposições de instrumentos coletivos de trabalho, quando se tratar de “empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”, o que representa significativa desvalorização da negociação coletiva de trabalho e da atuação da entidade sindical correlata e se assume a presunção segundo a qual o trabalhador (chamado hipersuficiente) melhor remunerado está em condições de negociar diretamente com seu empregador, o que choca com a realidade prática, na medida em que o ordinário é a absoluta impossibilidade de fixação de condições de trabalho pela via da negociação direta; a vontade do empregador acaba prevalecendo, diante do receio quanto ao desemprego. O dispositivo é inconstitucional, pois permite que o trabalhador, de forma individual, altere o negociado coletivamente, contrariando o texto constitucional que exige acordo coletivo. Nesse sentido, a inconstitucionalidade reside na exposição do trabalhador em condição de hipossuficiência ao empregador, reduzindo o âmbito de proteção conferido pelos arts. 7, VI, XIII e XIV, da Constituição Federal.

L) Equiparação salarial – exclusão da necessidade de homologação de quadro de carreira junto a órgão público (art. 461, § 2º, CLT): o projeto pretende excluir a necessidade de homologação do quadro de carreira adotado pelo empregador junto a órgão público, bem como seu registro, contrariando a Súmula n. 06 do TST. Além disso, prevê o poder do empregador de elaborar norma interna para regular plano de cargos e salários. A ausência de quadro de carreira homologado permite que o referido documento seja elaborado casuisticamente, sem qualquer comprovação de sua anterioridade, mitigando a aplicação do art. 7º, XXXII, da Constituição, o qual veda discriminações salariais para a garantia da isonomia salarial.

M) Extinção da homologação por ocasião do fim do contrato de trabalho (art. 477, CLT): o projeto pretende excluir a necessidade de homologação da rescisão do contrato de trabalho, pelo sindicato ou Ministério do Trabalho e Emprego, deixando o trabalhador vulnerável, na medida em que passa a não ter mais a assistência de terceiros quanto a seus direitos, o que representa risco de renúncia de direitos por parte do obreiro e fraude nos pagamentos, em uma situação frágil, na qual o trabalhador, leigo, e ávido por receber suas verbas rescisórias, ficando sem qualquer assessoria ou ajuda profissional. O retrocesso é indiscutível. Neste item, a redução do âmbito de proteção da lei fere a Constituição na medida em que desprotege a tutela de assistência ao trabalhador. A inconstitucionalidade decorre da leitura sistêmica do ordenamento, pois os direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime de princípios e dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário (art.5º, § 2º, CF/88). Assim como a referida assistência é fundamento do sistema protetivo ao trabalhador, mostra-se inconstitucional a redução do conteúdo desse direito a partir da vedação de retrocesso social e da proibição de proteção deficiente do trabalhador.

N) Quitação anual das verbas trabalhistas (art. 507-B e parágrafo único, CLT): como tentativa de diminuir passivos trabalhistas, o projeto contém previsão no sentido de ser firmado, mediante participação do sindicato da categoria profissional, termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, de modo que o empregado, pressionado pela necessidade de manutenção no emprego, será levado a firmar esse termo, durante a vigência do contrato de trabalho, aumentando o risco de fraudes. Não obstante o projeto prever a “eficácia liberatória das parcelas” consignadas no termo, à prática cotidiana da realidade laboral, caso aprovado o projeto, será marcada pela existência de fraudes e vícios na vontade dos trabalhadores. Segundo o texto-síntese do DIEESE, “Uma vez assinado esse termo, haverá grande dificuldade para o trabalhador realizar futuras reclamações trabalhistas”, constituindo este, assim, verdadeiro óbice ao acesso à justiça. O dispositivo é inconstitucional, pois cria obrigação inexistente para fruição de direito assegurado constitucionalmente (prescrição bienal e quinquenal previstas no art. 7º, XXIV, da CF/88. A quitação anual obriga o trabalhador a dispor sobre seu direito, impondo sensível redução do alcance do dispositivo constitucional, e, neste caso, só seria possível, em tese, tal modificação, via emenda à Constituição.

O) Prevalência do negociado sobre o legislado (art. 611, CLT): rompendo com o princípio protetor do Direito do Trabalho, o projeto prevê a prevalência das disposições de acordos e convenções coletivas de trabalho sobre a legislação trabalhista, quando se tratar das seguintes matérias: pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; banco de horas anual; intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE); plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; regulamento empresarial; presença de representante dos trabalhadores no local de trabalho; teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; modalidade de registro de jornada de trabalho; troca do dia de feriado; enquadramento do grau de insalubridade; prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; participação nos lucros ou resultados da empresa. Sob o risco de haver negociação coletiva in pejus, o projeto pretende validar a pretensão patronal de estabelecer com o sindicato obreiro condições menos favoráveis aos empregados, buscando romper com o projeto de melhoria das condições de trabalho e de vida consubstanciado no caput do art. 7º da Constituição. A Constituição prevê, em seu art. 7º, as hipóteses nas quais se admite a prevalência do acordado sobre o legislado, impondo um rol taxativo de direitos para os quais estão disponíveis os acordos e convenções coletivas. De tal sorte que outras hipóteses para além do texto constitucional, da prevalência do negociado sobre o legislado, deverão ser aprovadas mediante a via própria, qual seja, a emenda à Constituição.

P)Ausência de contrapartidas na negociação coletiva de trabalho (art. 611-A, § 2º, CLT): a jurisprudência do TST e do STF já se posicionou no sentido da necessidade de serem concedidas contrapartidas aos trabalhadores na hipótese de condições menos favoráveis aos empregados serem previstas em instrumentos coletivos. Trata-se de previsão inconstitucional, tendo em vista que a Constituição Federal não admite piora nas condições de trabalho e de vida para os trabalhadores, salvo quando na aplicação da teoria do conglobamento. Deste modo, torna-se indispensável à discriminação das contrapartidas no acordo ou convenção coletiva como forma de garantir o equilíbrio e a transparência das entidades patronais e laborais nas negociações coletivas, conforme determina o caput do art. 7º da CF/88. A inconstitucionalidade decorre da leitura sistêmica do ordenamento, pois os direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime de princípios e dos tratados internacionais nos quais o Brasil é signatário (art.5º, § 2º, CF/88). Assim como a referida assistência é fundamento do sistema de transparência das negociações coletivas, mostra-se inconstitucional a redução do conteúdo deste direito a partir da vedação de retrocesso social e da proibição de proteção deficiente do trabalhador.

Q) Limitação do valor a ser pago em caso de condenação por dano extrapatrimonial (art. 223-G, §§ 1º e 3º, CLT): em flagrante desconsideração à personalidade do ofendido, o projeto pretende “tabelar” os valores devidos em caso de reparação por dano extrapatrimonial, estabelecendo os seguintes parâmetros: “I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido; IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.” Assim, empregadores com grande poder econômico responderiam, dependendo da situação, irrisoriamente, sem se considerar o caráter pedagógico de indenizações de maior vulto. Ainda, na hipótese de reincidência, o projeto permite a elevação do valor de indenização, mas não trata da hipótese de cumulação de vários empregados que sofreram o mesmo dano, de modo a prever condenação num valor mais elevado, com fins pedagógicos. O referido dispositivo é inconstitucional, pois viola o princípio da igualdade, previsto no art. 5º, caput da CF/88, o qual assegura que “todos são iguais perante a lei”, não cabendo ao legislativo promover evidente diferenciação monetária dos trabalhadores, pois não é lícita a instituição de critério de discriminação a partir da posição econômica dos indivíduos.

R) Matérias que não podem ser objeto de negociação coletiva in pejus (art. 611-B e parágrafo único, CLT): o projeto prevê rol de matérias que não podem ser objeto de negociação coletiva em condição pior à já prevista pela legislação vigente. Arrolando hipóteses de forma exclusiva, ou seja, somente as descritas no projeto, qualquer outra normativa para piorar as condições de trabalho poderiam ser convencionadas. Ainda, de modo inconstitucional, há previsão de que normas sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, contrariando a jurisprudência do TST, na medida em que a Constituição Federal abarca essas matérias. Em síntese, ao dispor sobre matérias imunes a alterações negociais lesivas ao trabalhador, o dispositivo, por via transversa, pretende declarar que todos os demais direitos até então garantidos aos trabalhadores podem sofrer tais reduções, causando profunda crise nas relações de trabalho, face ao desmonte e precarização de conquistas civilizatórias quase seculares. Neste dispositivo o que se pretende é burlar o rol taxativo da Constituição, criando-se rol de vedações em norma infraconstitucional, como se as demais hipóteses estivessem permitidas. Todavia, o mesmo se mostra inócuo e afronta o texto do art. 7º, da CF/88, na medida em que este dispõe expressamente o que pode ser negociado, vedando de forma tácita a negociação de todo e qualquer outro direito, salvo por se via emenda constitucional.